domingo, 16 de maio de 2010

Eu quero leite mumêlho!


O Ribeirinho era colega de liceu do meu irmão, e daí passou a ser também amigo dos meus pais e meu. Casou com a Lita, de quem a minha mãe gostava muito.

Às tantas tornámo-nos todos coproprietáros de um terreno em Lavra, à beira mar, cuja legalização, ao fim de trinta anos, ainda não está resolvida. Eles eram mais velhos, já com três filhos, bem na vida, mas não sei bem como resolvemos ir os quatro ver in loco umas casinhas que estavam à venda em Pedras del Rei, junto a Tavira.

Viemos de lá entusiasmados, local bonito, praia boa, grandes relvados com oliveiras, casas simples e baratas.Quando regressámos saiu no jornal uma convocatória para uma Assembleia Geral dos proprietários, e lá vai o Ribeirinho e o José, para perceberem o que se passava: afinal estava tudo encravado ou hipotecado, ou qualquer coisa, e vai daí perdemos a oportunidade de podermos dizer, sem mentir, vou para a minha casa no Algarve.

Mas gostámos tanto do local que esse ano alugámos uma casa, e lá fomos, na 4L, para Tavira.Já eramos quatro, embora o Inverno fosse ainda escondidinho na minha barriga, não dava trabalho nem despesa, mas fazia boa companhia.

Dessa vez fomos com outros amigos: a Ju, o Manuel e a Ana.

A Ju e eu éramos muito amigas da Bé, que nessa altura namorava com o Boavida (ás vezes era mais Mávida...) , que tinha um lugar cativo no Piolho. Emprestou-nos uma canoa pneumática para podermos navegar na ria.

Parece-me que a casa só tinha um quarto, não me lembro bem, mas também em casa estávamos pouco.

Para a praia, havia um comboiinho do aldeamento que levava e trazia os hóspedes. Muitos tias e tios, todos conhecidos, (já eram habitués), mas quando o comboio chegava estourava o verniz com um grande estrondo, e há que empurrar, passar por cima, saltar em andamento, atropelarem a minha muito digna barriga, para garantirem um lugar sentado naquela viagem de cinco minutos. Aquilo chateava : estar à espera, levar encontrões, não ter lugar sentado, paarecia que estavamos à espera do 500 para o Bolhão.

Aí saiu a canoa do Boa à baila : de carro até a ria de Tavira, lançar a canoa à água, meter lá dentro a lancheira, as toalhas, os guarda sóis, os brinquedos, as bolas, umas cadeiras para as madames, as sacas com os livros, os copertones, as mudas de roupa para as princesas.

E todas as manhãs à ida, e tardes á vinda , repetíamos a história do rapaz , a couve e o burro, só que em vez de três personagens eramos seis. Parece-me que nunca fizemos as travessias da mesma forma e que ao fim de quinze dias ainda não sabíamos qual a melhor solução.

Chegados ao areal esqueciamos os precalços e as discussões, estendiamos as toalhas, abriamos os guarda sois, soltavamos as miudas, e há que gozar do luxo de ter quilometros de praia só para nós.Só para nós não é bem o termo, porque às tantas os participantes do festival de teatro que decorria em Tavira descobriram também o paraíso. Como verdadeiros artistas, não tinham problemas em integrarem-se no cenário natural, e como tal dispensavam o uso de peças de vestuário.

A partir daí, achava a Ju, os elementos masculinos da nossa trupe passaram a fazer longos passeios a pé pelo areal, junto ao rebentar das ondas, durante os quais, em vez de olharem para o mar, iam com o pescoço torcido para a esquerda á ida, e no sentido contrário à vinda. Lá isso era verdade.

Então, um dia, quando estavam a cerca de trezentos metros do acampamento, pescoço torcido para a direita, resolvemos tirar a peça de cima da nossa farda de banhista, e desatarmos aos berros, e aos saltos, acenando como desesperadas aos nossos queridos conjuges.

Bem, a Ju saltava maais, porque o Inverno já pesava um pouco.Ainda bem que a minha mãe tinha feito um biquini que acomodava a barriga mais ou menos, pois assim pude também fazer bandeira com a parte de cima. Parecíamos as feministas americanas a descartarem os sutiãs ! De seguida atiramo-nos ao chão de tanto riso, porque eles não sabiam que fazer: davam uma corridinha, paravam, faziam gestos a explicar o que deviamos fazer para recuperarmos o decoro. E entretanto olhavam à volta, à procura de espectadores para a comédia.

Para sobrevivermos manhã e tarde, levávamos sandes, fruta, iogurtes, água e etc.. Mas eram muitas sandes, para quatro matulões na força da vida passarem um dia, sendo que dois faziam grandes caminhadas e longos banhos, e uma comia por dois. Além disso de manhã sabia bem pãozinho fresco para o peqqueno almoço, mas não havia padeira à porta.

Ao chegar da praia, depois do banho, enquanto o jantar se fazia,também sabia bem uma saladinha com uma cervejinha, ou sumo de limão.E enquanto punhamos a mesa e davamos banho às princesas, os lordes latas iam descansar para o relvado, debaixo das oliveiras, ouvir música Resultado, as duas madames ao fim de três dias estavam fartas de ir ao supermercado, montar a linha de montagem de sandes, fazer saladas, cozinhar jantar, arrumar a cozinha. Discutido o assunto ao serão, ficou decidido que cada um teria a responsabilidade de tratar de tudo, um dia à vez : compras, sandes, cozinha, arrumação.

Fiquei surpreendida, pela positiva, com a habilidade do Manuel , que nos apresentou ao jantar um frango de supositorio!afinal de contas tinha vivido sozinho uns tempos, e teve de fazer pela vida...

Seguiu-se a Ju, cujos méritos eram sobejamente conhecidos por todos, e a minha pessoa , que só por modéstia não digo que sou uma cozinheira e dona de casa maravilhosa.

E ficámos os três a esperar o que o dia seguinte nos traria, já que era também bem conhecida a falta de conhecimentos, nessa área , do outro elemento adulto da pandilha. A solução improvisada foi no entanto muito sensata: deu-nos a cada o subsidio de alimentação da função pública, já que todos trabalhavamos para o estado, e dessa forma resolveu o problema e sacudiu o trabalho...

As miúdas davam-se bem, a Ana mais velhinha, brincalhona, bem disposta, e a Zu a entrar nas casa dos vizinhos “olá homem, como é que te chamas?”. Delirava com uma mistela com sabor a morango, que punhamos no leite do pequeno almoço, e que estava sempre a pedir “eu quero leite mumêlho!”

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